Energytechs verdes estão bombando

Energytechs verdes estão bombando

Na contramão de empresas de inovação que veem as captações diminuírem neste ano, startups de energia atraem investidores com foco em negócios de geração limpa

Por Martha Funke – 28/04/2023

O setor de energia está passando ao largo da retração de investimentos em startups verificada neste começo de ano no país. Enquanto os aportes totais em startups recuaram 86% no primeiro trimestre de 2023, segundo levantamento da Distrito, as energytechs estão captando. São companhias que atuam em negócios que vão de geração própria até fintechs especializadas em crédito para instalação de sistemas para geração de energia solar residencial. Somadas, essas empresas levantaram perto de R$ 350 milhões entre janeiro e março últimos, atraídas principalmente pelo foco em energia renovável com modelos variáveis. O interesse por parte dos investidores não é de hoje; duas startups do segmento já apareciam entre as dez maiores rodadas de captação que ocorreram em 2022. 

Uma dessas companhias é a Órigo, que alcançou quase R$ 4 bilhões em capital disponível para investimento, que devem ser aplicados até o ano que vem. A companhia, que já havia levantado R$ 500 milhões em 2021 e R$ 460 milhões em agosto do ano passado, anunciou em janeiro o aporte de R$ 250 milhões da americana Augment Infrastructure, o maior tíquete em energytechs considerando o primeiro trimestre deste ano. A empresa vende energia por assinatura, um modelo inspirado no mercado de telecom, a 70 mil clientes. 

O negócio da Órigo é baseado na construção de fazendas solares para a produção da energia que a companhia comercializa. Ela tem hoje 60 parques solares, com capacidade máxima (ou pico) de até 200 MWp operacionais, que injetam energia em seis distribuidoras de Minas Gerais, São Paulo, Ceará e Pernambuco. O modelo acaba de chegar ao Mato Grosso do Sul e ao Distrito Federal, com capacidade de 150 MWp e investimentos de R$ 500 milhões. A meta é chegar a 500 MW até o fim do ano, cobrindo também o Distrito Federal e o Mato Grosso do Sul, diz o CEO Surya Mendonça, ex-Vivo. As fazendas empregam sistemas de internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) com sensores nas placas para manutenção.

Startups que unem modelos estabelecidos de portais de busca e comercialização a produtos que envolvem energia limpa também estão na mira dos investidores. O fundo Revolution colocou R$ 50 milhões na zMatch, companhia fundada pelo ex Webmotors e iCarros Sylvio de Barros, que tem um modelo diferente de venda de automóveis, assinatura de carros elétricos e energia solar. O portal Garagem, um dos braços da zMatch, oferece veículos com curadoria e preços acima de R$ 200 mil, como um Audi elétrico por R$ 900 mil. Elétricos e tradicionais também estarão disponíveis em plataforma de assinatura, com frota própria ou parceria com locadoras. Os próximos passos são entrar em geração distribuída com aquisição de energia no mercado para distribuir créditos aos clientes por meio da plataforma zBee e, no futuro, até em serviços financeiros, como financiamentos e seguros. 

Mesmo ramos já consolidados continuam atraindo investidores. Criada por brasileiros para mineração de bitcoins nos Estados Unidos, onde a energia é mais barata, a Arthur Mining levantou R$ 23 milhões para implementar no Brasil o modelo desenvolvido pela companhia. Como o consumo de eletricidade da operação baseada em processamento computacional em hiperescala é muito alto, nasceu a ideia de levar os datacenters (DC) em contêineres da empresa para cidades americanas com excedentes de energia, resultantes de contratos de longo prazo sem utilização integral. O projeto deu certo, e a Artur Mining agora quer desenvolver o negócio por aqui, onde a perda de energia gerada alcança perto de 20%. A ideia é absorver a energia excedente com DCs instalados nas proximidades de usinas de fontes renováveis. “Um único contêiner consome o equivalente a um shopping center como o Iguatemi paulista”, diz o cofundador e presidente Rudá Pellini. A meta é alcançar 15 MW no primeiro ano de operação.

Fundos de capital de risco (CVC) se espalham entre empresas do setor, que recebem aportes até de private equities. A EDP Ventures (CDC), com foco em startups do setor elétrico, tem R$ 300 milhões investidos em 40 empresas no mundo, conta o vice-presidente de clientes e inovação da EDP, Carlos Andrade. No Brasil são R$ 40 milhões investidos em nove companhias: 77Sol, Clarke, Time Energy, Delfos, Colab, Voltbras, Fractal, Dom Rock e Clue Sol. A 77Sol, por exemplo, um marketplace de produtos e serviços para integradores de energia solar, recebeu neste ano R$ 14 milhões da EDP Ventures e do private equity Crescera Capital. O marketplace gerou receita de R$ 160 milhões em 2022, com 570 mil placas solares vendidas e nove mil integradores cadastrados. Oferece ainda crédito, seguros e software para os profissionais elaborarem propostas. Já a Clarke recebeu R$ 6,6 milhões em 2021 para turbinar a plataforma digital de leilão de energia, capaz de emitir proposta em tempo real para consumidores de menor porte e oferecer 20 alternativas para os maiores em um dia de rodada. Hoje são cem clientes, como Burger King, Habib’s e Dr. Consulta. “A estratégia é automatizar produtos para chegar a mais clientes”, diz o CEO Pedro Rio. Também em 2021, a Metha Energia recebeu R$ 10 milhões para expandir o modelo de geração distribuída de 29 usinas de energia solar ou de biogás, que já alcança 80 mil clientes, segundo o CEO Victor Soares. 

Grandes companhias do setor energético também miram essas startups. No Shell Engine, programa de aceleração da Shell, foi aberta rodada de R$ 6 milhões na plataforma de comercialização de energia Tradenergy, que trabalha com assinatura de energia renovável para pequenas e médias empresas e gerenciamento remoto das unidades de produção e consumo. O Shell Engine ainda selecionou a Aquapower, que inventou um sistema de microgeração de energia via instalação de turbinas de pequena escala em tubulações hidráulicas com excesso de pressão não aproveitada. A Lead Energy, nascida em 2020, captou R$ 2,4 milhões da comercializadora e gestora de energia Ecom para expandir o negócio, baseado em leitura inteligente da conta de luz para identificar oportunidades de redução perdidas na sopa de letrinhas da fatura. “A própria conta indica possibilidade de troca de fornecedor ou tarifa”, diz o fundador Raphael Ruffato, que estima em 15% o custo de energia do país pago a mais por falta de conhecimento. 

A paranaense Copel, por sua vez, lançou um CVC no valor de R$ 150 milhões para dar um passo além do seu programa de aceleração Volt, formatado em 2021 e pelo qual já passaram empresas como a alemã LexaTexer, de manutenção preditiva de turbinas elétricas, e a colombiana Solenio, focada em hidrogênio verde (produção de hidrogênio para uso como combustível por meio de eletrólise sem emissão de dióxido de carbono). “O fundo deve estar pronto em junho, inclusive para novas startups”, diz Cassio Santana da Silva, diretor de novos negócios da Copel. Entre as investidas do ano passado, a Solfácil recebeu R$ 160 milhões em série C, liderada pela QED Investors com Softbank, VEF e Valor Capital. A empresa oferece soluções de financiamento, equipamentos e a solução de medidor inteligente Ampere para mais de dez mil integradores, que atendem perto de cem mil clientes. Além de verticalizar o negócio com a aquisição da distribuidora de equipamentos Inove, a autorização do Banco Central para operação como Sociedade de Crédito Direto abre as portas para a Solfácil se tornar instituição financeira, com mais de R$ 2 bilhões originados em 60 mil projetos de energia solar.

O BV foi financeiro nesta seara, onde chegou em 2017 em parceria com o portal Solar. O negócio evoluiu para o Meu Financiamento Solar, braço de originação de financiamento de instalação de energia solar com 12 mil integradores cadastrados e R$ 4,6 bilhões em crédito. O segmento é um dos que mais crescem no banco, com 85% de expansão no último trimestre do ano passado sobre o ano anterior, segundo a superintendente de solar da instituição, Mariana Granata. 

Até companhias que não atuam diretamente no mercado de energia olham para as energytechs. A Ambev é uma das investidoras do marketplace de energia renovável Lemon, que recebeu no ano passado R$ 60 milhões para ampliar a conexão de pequenas empresas a usinas solares, de biogás ou hidrelétricas também de pequeno porte. Os clientes da Ambev compõem 80% da carteira de quatro mil negócios atendidos pela Lemon Energia. A meta é alcançar dez mil clientes neste ano, segundo o CEO Rafael Vignoli. 

Outras brindadas com aportes em 2022 foram Nextron (R$ 11 milhões) e SolarView (R$ 4 milhões). Um dos criadores da Nextron, Ivo Pitanguy, chegou a manter a Sou Vagalume, verticalizada desde parques solares até venda direta a clientes e vendida para a Comerc. A nova marca desenvolveu softwares para integrar distribuidoras, concessionárias e clientes para oferta de assinatura. A sacada, diz Pitanguy, é entregar uma conta única para o cliente e a partir daí remunerar distribuidora, gerador e parceiros, ao contrário das demais do ramo, cujos consumidores recebem uma fatura pela energia e outra da distribuidora. A SolarView é mais madura. Fundada em 2013, criou dispositivos IoT para coletar dados de inversores fotovoltaicos e medidores, entre outros. 

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/04/28/energytechs-verdes-estao-bombando.ghtml

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